II Domingo do tempo comum – Ano B
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MissaANTÍFONA DE ENTRADA Salmo 65, 4 ORAÇÃO COLECTA LEITURA I 1 Sam 3, 3b-10.19 Leitura do Primeiro Livro de Samuel SALMO RESPONSORIAL Salmo 39 (40), 2.4ab.7-8a.8b-9.10-11 (R. 8a.9a) Esperei no Senhor com toda a confiança Não Vos agradaram sacrifícios nem oblações, «De mim está escrito no livro da Lei «Proclamei a justiça na grande assembleia, LEITURA II 1 Cor 6, 13c-15a.17-20 Leitura da Primeira Epístola do apóstolo S. Paulo aos Coríntios ALELUIA cf. Jo 1, 41.17b EVANGELHO Jo 1, 35-42 Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João ORAÇÃO DOS FIÉIS Irmãs e irmãos em Cristo: Oremos a Deus nosso Pai, que nos faz conhecer a sua vontade através da história do mundo e dos homens, e digamos (ou: e cantemos), humildemente: R. Ouvi-nos, Senhor. Ou: Concedei-nos, Senhor, a vossa graça. Ou: Ouvi, Senhor, a nossa súplica. 1. Para que a nossa Diocese, suas paróquias e movimentos sejam confirmados na fé pelo Papa N., sucessor do apóstolo São Pedro, oremos. 2. Para que os responsáveis da nossa Pátria desenvolvam com entusiasmo o bem comum e promovam os direitos dos cidadãos mais necessitados, oremos. 3. Para que os jovens da nossa Diocese, à semelhança do pequeno Samuel, escutem com júbilo a voz de Cristo que os chama, oremos. 4. Para que os membros da nossa assembleia participem dignamente na Eucaristia e cresçam cada vez mais em boas obras, oremos. 5. Para que os fiéis defuntos das nossas famílias alcancem o perdão dos seus pecados, e entrem na vida que não tem fim, oremos. Deus eterno e omnipotente, que nos chamais a seguir-Vos como o vosso Filho chamou os Apóstolos, confirmai no seu propósito os que respondem com decisão e renovai o entusiasmo dos que vacilam no caminho. Por Cristo Senhor nosso ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS ANTÍFONA DA COMUNHÃO Salmo 22, 5 Ou 1 Jo 4, 16 ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO |
A despretensão com que o Batista conduzira seus discípulos a Jesus; o inflamado zelo de André e João ao encontrarem o Redentor; Simão Pedro, magnífico fruto deste apostolado… No Evangelho deste domingo encontramos o paradigma da ação evangelizadora para todos os tempos.
I – Todos somos chamados a evangelizar
Deus quer “que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (I Tim 2, 4). Para isso, Jesus criou a Igreja, instituição essencialmente missionária e apostólica, que, no desenrolar dos séculos, foi cumprindo in crescendo esta grandiosa missão. Ele mesmo nos disse: “Eu vim para que as ovelhas tenham vida e para que a tenham em abundância” (Jo 10, 10).
O chamado ao apostolado não é privilégio exclusivo dos religiosos. Ele se estende também aos leigos, conforme nos ensina o Concílio Vaticano II: “o apostolado dos leigos, que deriva da própria vocação cristã, jamais poderá faltar na Igreja. A mesma Sagrada Escritura demonstra abundantemente como foi espontânea e frutuosa esta atividade no começo da Igreja.
“Os nossos tempos, porém, não exigem um menor zelo dos leigos; mais ainda, as condições atuais exigem deles absolutamente um apostolado cada vez mais intenso e mais universal. Com efeito, o aumento crescente da população, o progresso da ciência e da técnica, as relações mais estreitas entre os homens, não só dilataram imensamente os campos do apostolado dos leigos, em grande parte só acessíveis a eles, mas também suscitaram novos problemas que reclamam a sua atenção interessada e o seu esforço.
“Este apostolado torna-se tanto mais urgente quanto a autonomia de muitos setores da vida humana, como é justo, aumentou, por vezes com um certo afastamento da ordem ética e religiosa e com grave perigo para a vida cristã. Além disso, em muitas regiões onde os sacerdotes são demasiado poucos ou, como acontece por vezes, são privados da liberdade de ministério, a Igreja dificilmente poderia estar presente e ativa sem o trabalho dos leigos.
“Sinal desta multíplice e urgente necessidade é a evidente atuação do Espírito Santo que hoje torna os leigos cada vez mais conscientes da própria responsabilidade e por toda a parte os anima ao serviço de Cristo e da Igreja”.1
Não menos incisivo do que o Concílio Vaticano II é o Doutor Angélico ao ressaltar esta responsabilidade dos leigos, de modo especial nas situações de crise de religiosidade: “quando a Fé está em perigo, todos estão obrigados a propalar aos outros a sua fé, seja para instruir ou confirmar a fé dos outros fiéis, seja para reprimir o insulto dos infiéis”.2
Já Pio XII, em seu tempo, condenava a inação em matéria de apostolado: “O Papa deve, em seu posto, vigiar incessantemente, rezar, e com prodigalidade, a fim de que o lobo não termine por penetrar no redil para roubar e dispersar o rebanho […]; os colaboradores do Papa no governo da Igreja fazem quanto lhes é possível […]. Mas isso hoje não basta: todos os fiéis de boa vontade devem despertar-se do seu letargo e sentir a parte de responsabilidade que lhes cabe no êxito desta empresa de salvação”.3
Em síntese, nossa vida interior exige — quando busca sua perfeição plena — que auxiliemos todos os que estejam ao alcance de nossa atividade apostólica, para encaminhá-los ao seio da Igreja.
Esta magnífica obra evangelizadora tem seu paradigma na Liturgia de hoje.
II – O apostolado de São João Batista
Naquele tempo, 35 João estava de novo com dois de seus discípulos 36 e, vendo Jesus passar, disse: “Eis o Cordeiro de Deus!”
São João Batista — valoroso exemplo de apóstolo desapegado — jamais permitiu a entrada, em sua grande alma, do menor resquício de ciúmes de seus seguidores, sobretudo em relação a Jesus. E embora fosse parente próximo do Salvador, afirmava: “eu não sou digno de Lhe desatar a correia do calçado” (Jo 1, 27). Expressão forte para aqueles tempos, pois competia aos servos lavar os pés dos visitantes de grande categoria, tirando-lhes antes o calçado. Abraçava, desta forma, a condição de escravo em face d’Aquele seu sucessor. Esta era uma das razões de sua capacidade de comover as almas e de incentivá-las à penitência rumo à metanoia ― mudança de mentalidade. Sua humildade arquetípica, e tão transparente na autenticidade de sua pregação, conferia um caráter de confiabilidade insuperável à pessoa do Precursor. Aqui se encontra outra qualidade essencial do verdadeiro apóstolo: a despretensão.
Ele também afirmara: “É este de quem eu disse” (Jo 1, 30), o que indica com clareza que Jesus deveria ser a substância de sua pregação. Talvez fosse esta uma das principais causas de ter escolhido um terreno menos arriscado para desenvolver seu apostolado. Estando longe de Jerusalém e, portanto, do raio de ação dos escribas e fariseus, podia livremente referir-se Àquele que Se constituiria como verdadeira “pedra de escândalo” (Is 8, 14). O cerne de sua fala era “o Cordeiro de Deus”, em quem depositava a plenitude de sua fé.
Evangelizador desapegado e atraente
O Evangelista descreve o Batista com ricas e belas cores, atestando quanto seu primeiro mestre lhe marcara a alma de maneira agradável e indelével. Ademais, com arte e poucas palavras, retrata a enorme perplexidade levantada por seus discursos. Que escola ou quais mestres o haviam formado para ensinar com tanta segurança? Sacerdotes e levitas de Jerusalém, enviados pelos judeus curiosos, indagavam: quem é este que batiza dizendo não ser o Cristo, nem Elias e nem sequer o Profeta? Todos — quer os instruídos e formados, quer as simples pessoas do povo — percebiam que João era um homem inspirado por Deus. Sua aura de profecia, mistério e santidade crescia a cada dia, encantando as multidões e incutindo temor e inveja nos grandes.
De dentro de seu total desprendimento, sua única preocupação era a de preparar os caminhos do Senhor, arrebanhando em torno de si alguns discípulos, com vistas a entregá-los ao Cordeiro de Deus. Exemplo para nós também, sobretudo por este prisma, pois é como devemos proceder em nosso apostolado, conduzindo as vocações para o seio da Igreja, para a vida eclesial.
Emerge destes episódios mais uma das qualidades do Batista, e esta pouco ressaltada: a de um apóstolo arquetípico. Sua atratividade era irresistível, tornando difícil a despedida. Daí se entende por que os dois discípulos permaneciam enlevados pelo fervor das palavras e pela figura do mestre, apesar de já declinar o dia! Por outro lado, eles não faziam ideia da extraordinária graça que os aguardava. A Providência Divina jamais deixa sem prêmio os verdadeiros devotos. Mais dia, menos dia, Ela lhes paga em superabundância. A constância, amor e entusiasmo destes dois discípulos lhes fariam merecer a graça de serem os primeiros chamados para o discipulado de Jesus Cristo.
“Eis o Cordeiro de Deus”
Sobre o início do Evangelho de hoje, assim se expressa o padre Andrés Fernández Truyols: “E, no outro dia, nas primeiras horas da tarde, enquanto se achava o Batista em companhia de dois de seus discípulos, João e André, vendo de novo passar Jesus, repetiu aquela mesma profunda e dulcíssima declaração da véspera: ‘Eis o Cordeiro de Deus’.
“Os dois discípulos, ao ouvirem — quiçá pela segunda vez — essa sentença dos lábios de seu mestre, pronunciada com tanto amor e certeza, iluminados, sem dúvida, e movidos pela graça interior que o próprio Cordeiro de Deus lhes comunicava, despedem-se daquele que até então haviam tido por mestre e se dispõem a seguir Jesus.
“O Batista não opõe a menor resistência; antes, os estimula a irem atrás do novo Mestre. ‘João era o amigo do Esposo. Não procurava sua própria glória, mas dava testemunho da verdade. Por isso não queria reter consigo seus discípulos, impedindo-os de seguir o Senhor; pelo contrário, ele mesmo lhes aponta Aquele que eles deviam seguir’”.4
Segundo Maldonado, o Batista tinha os olhos cravados em Nosso Senhor, por estar “cheio de admiração e de religioso espanto”.5 Torna-se patente que Jesus passeava. Para onde ia? Alguns Padres manifestam-se favoráveis à hipótese de que estava à procura de São João Batista. Todavia, Maldonado não é desta opinião e julga estivesse o Salvador distraindo-Se ou caminhando em outra direção e, por este motivo, “deixou-Se ver por João, para que d’Ele desse novo testemunho”.6
Já São João Crisóstomo ressalta outros importantes detalhes deste episódio: “Seu desejo [de São João Batista] teria sido de que prestassem atenção nele, para falar uma só vez. Mas como isso não ocorria com frequência, por causa do sono de seus ouvintes, para que levassem em conta as suas palavras repetia várias vezes a mesma coisa. […]
“Todos os demais profetas e apóstolos anunciaram a Cristo quando este estava ausente. Uns antes de sua Encarnação. Outros depois da Ascensão. Só ele O anunciou estando presente. […]
“Por que não viajou por toda a Judeia para anunciá-Lo, mas se estabeleceu junto ao rio, esperando que Ele viesse, para indicá-Lo às multidões tão logo Se apresentasse? Porque queria que fossem as obras de Cristo que o fizessem. Entretanto, ele se preocupava em torná-Lo conhecido e em convencer alguns para que ouvissem suas palavras de salvação. São João deixa para Ele o testemunho mais seguro, que provém das obras, como disse o próprio Cristo: ‘Não recebo testemunho de um homem, porque as obras que o Pai Me concedeu fazer dão testemunho de Mim’. E não há meio mais eficaz do que este, pois sem haver acendido mais que uma pequeníssima faísca, depressa ela se converteu em uma chama enorme, e os que antes não davam crédito às palavras de São João, dizem: ‘Tudo o que João dizia era verdade’.
“Ao contrário, se tudo isso tivesse sido dito percorrendo os caminhos da Judeia, poderia ter parecido que o fazia por algum interesse humano, e sua pregação ficaria suspeita”.7
E São João Crisóstomo acrescenta ainda este comentário: “‘Olhando fixamente para Jesus que passava, exclamou: Eis o Cordeiro de Deus’. São João disse isto para deixar consignado que O reconhecia não só por ouvi-Lo falar, mas por vê-Lo passar”.8
“Convém que Ele cresça e eu diminua”
O padre Manuel de Tuya, muito acertadamente, comenta que este trecho do Evangelho de hoje aponta uma continuação da missão do Batista, de anunciar a chegada do Messias e dar testemunho d’Ele. Do mesmo modo como antes procedera diante das multidões e do Sinédrio, agora o faz perante seus dois discípulos: “Não os reterá, mas os orientará rumo a Cristo. Desfará seu ‘círculo’ para fazer crescer o de Cristo. É o tema desta passagem: ‘Convém que Ele cresça e eu diminua’ (Jo 3, 30)”.9
O famoso Fillion10 vê o versículo por um outro ângulo e afirma que a exclamação de São João ― “Eis o Cordeiro de Deus!” ― foi suficiente para produzir nos dois discípulos, de maneira repentina, uma reação de maravilhamento. Já Maldonado11 manifesta-se favorável à ideia de que o Precursor julgava seus dois discípulos prontos para seguir o Messias.
III – André e João encontram Jesus
37 Ouvindo essas palavras, os dois discípulos seguiram Jesus.
Desde toda a eternidade, Jesus vira estes dois discípulos e os amara; agora, com seus olhos humanos e sem Se deixar perceber, o Salvador os contempla de soslaio. Ele sempre quis atraí-los, mas, seguindo uma zelosa diplomacia, deixou a cargo de quem os formara tomar a iniciativa de encaminhá-los. De sua parte, Jesus não faz senão oferecer ao Precursor um pequeno pretexto, ou seja, passa diante de seus olhos.
O Batista demonstra, uma vez mais, sua total devoção ao Salvador, e aproveita imediatamente a oportunidade, pois teme que Ele passe e não volte!
Quantas vezes este mesmo Jesus Se apresenta ao longo da caminhada de nossa vida! Ora é uma inspiração, ou um bom anseio pervadido de consolação, às vezes até uma dor de consciência e um arrependimento, ou ainda exemplos de virtude ou de maldade aos quais assistimos… Sim, Ele nos aparece de mil modos, e eis aqui o grande modelo diante de nós neste Evangelho.
Devemos ser ávidos dessas ocasiões para discernirmos as divinas insinuações de Nosso Senhor.
Fiéis aos ensinamentos de seu mestre, no entusiasmo pela figura do Cordeiro tão bem apresentada ao longo de enlevantes conversas e pregações, os dois discípulos resolvem segui-Lo. Conforme explica o padre Manuel de Tuya, “‘seguir alguém’, ‘ir atrás de’, era sinônimo, nos meios rabínicos, de ir à sua escola, ser seu discípulo”.12 Portanto, seguiram-No nos dois sentidos da palavra, ou seja, fisicamente e com o intuito de passarem a ser seus discípulos.
Quantas vocações ficaram abandonadas pelos caminhos da História pelo fato de não reagirem como estes dois! Quantas perdições!
Da sua parte, Maldonado,13 com base em vários Padres da Igreja, ressalta a importância da pregação. Neste versículo, Jesus colhe os primeiros frutos do rico plantio de João.
Inocente ansiedade por entrar em contato
38 Voltando-Se para eles e vendo que O estavam seguindo, Jesus perguntou: “O que estais procurando?” Eles disseram: “Rabi (que quer dizer: Mestre), onde moras?”
Jesus nunca deixa de vir ao nosso encontro e jamais Se nega a encorajar-nos nas vias do bem. Tão afetuosa e paternal é sua atitude com os dois, que chega a nos comover. Ambos manifestam uma inocente ansiedade de dirigir-se a Ele; no entanto, por respeito ou temor reverencial, não ousam abordá-Lo. Segundo a boa educação de todos os tempos, cabe a quem tem autoridade iniciar a conversa, e Nosso Senhor o faz com suma bondade, porque discerne o fundo do desejo de ambos e coloca-os à vontade.
“Rabi” é o título que Lhe conferem, e assim demonstram quanto anseiam por aprender sua doutrina. Em seguida Lhe fazem uma pergunta: “onde moras?”. Comenta Alcuíno a este respeito: “Não querem se beneficiar do magistério de forma passageira, e por isso Lhe perguntam onde vive para que, de futuro, possam ouvir suas palavras em segredo, visitá-Lo muitas vezes e instruir-se muito melhor”.14
Como o Evangelho é perene, também a nós Jesus pergunta: “O que estais procurando?”. Ou seja, o que procuramos nos lugares frequentados por nós, em nossas companhias, amizades, ações, etc.? Buscamos a glória de Deus e de sua Santa Igreja? Será o Reino dos Céus, a edificação dos outros, nossa salvação, nossa santificação? Ou antes será nossa vanglória, nosso amor-próprio, nossa sensualidade, nossos prazeres? É possível que nós não Lhe queiramos responder agora, contudo, no dia do Juízo — particular e Final —, deveremos prestar-Lhe contas exatas, diante dos Anjos e dos homens.
Imitemos os dois discípulos, e perguntemos a Jesus onde vive Ele atualmente. Imaginemos qual seria sua resposta. Decerto não O encontraremos nos espetáculos imorais, nem nas disputas vaidosas, etc. Antes de tudo, Ele vive no Céu, como no tabernáculo, mas também no coração dos inocentes, de todos os que se mantêm na graça de Deus e fogem do pecado. Nós bem o sabemos…
Sagrado convívio
39 Jesus respondeu: “Vinde ver”. Foram pois ver onde Ele morava e, nesse dia, permaneceram com Ele. Era por volta das quatro da tarde.
A cortesia de Jesus é insuperável, pois poderia indicar-lhes o caminho e marcar-lhes um encontro para o dia seguinte. Pelo contrário, convida-os a segui-Lo, ou seja, já os aceita como discípulos.
Assim procedeu Jesus, conforme nos ensina São Cirilo, “para nos ensinar primeiro que nas coisas boas não é louvável atrasar-se, porque o adiamento de algo bom é sempre um prejuízo. E, depois, para mostrar que, para se salvar, não basta aos ignorantes saberem qual é a santa casa de Cristo, nosso Salva dor, isto é, a Igreja, se não chegarem até ela com fé e observarem com ânimo fervoroso o que nela se faz”.15
Quem nos dera conhecer o conteúdo daquele sagrado convívio! “Que dia tão feliz passaram! E que noite tão agradável!” — exclama Santo Agostinho — “Há quem seja capaz de nos dizer o que ouviram da boca do Senhor? Edifiquemos também nós e façamos uma casa em nosso coração, onde Ele venha ensinar-nos e falar conosco”.16
A nós também dirige Jesus este convite cheio de benquerença. E assim procederá Ele até o último minuto da História. Como é possível opor-Lhe resistência?
IV – Simão Pedro, fruto do apostolado de André
40 André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram as palavras de João e seguiram Jesus.
Os comentaristas são praticamente unânimes em frisar a humildade do Evangelista neste versículo, pelo fato de não se mencionar a si próprio como sendo o outro dos dois. A nosso ver, os bons anos de convívio muito estreito com a mais humilde de todas as criaturas, Maria Santíssima, lhe haviam arrebatado o coração no maravilhamento por esta excelsa virtude.
41 Ele foi encontrar primeiro seu irmão Simão e lhe disse: “Encontramos o Messias” (que quer dizer: Cristo).
Sem dúvida, a longa conversa mantida com Jesus fizera crescer João e André na fé. Ambos deviam estar inflamados de zelo, entusiasmo e fervor em seu noviciado recém-começado. Logo surgem os resultados comprobatórios da autêntica realidade dessa fé: o apostolado. O bem é eminentemente difusivo, as impressões sobrenaturais deviam ser muito fortes, o enlevo e veneração por Nosso Senhor estavam no mais elevado grau. A recordação das inúmeras conversas, previsões e comentários de João Batista sobre o Messias constituíram para eles um quadro lógico, belo e harmônico com a figura de Cristo. Era imperioso conquistar novos discípulos para o Messias. O primeiro que encontraram foi Simão e sobre ele devem ter despejado o desabafo de todas as suas místicas emoções e a concatenação de suas análises e conclusões.17 E qual foi a reação de Simão?
Profecia sobre o futuro de Simão
42 Então André conduziu Simão a Jesus. Jesus olhou bem para ele e disse: “Tu és Simão, filho de João; tu serás chamado Cefas” (que quer dizer: Pedra).
Conforme faz notar São João Crisóstomo,18 Pedro acreditou de imediato no que lhe transmitiam e quis conhecer o quanto antes o Messias. Por isso deixou-se levar.
Jesus, por seu divino ver, já conhecia Simão desde toda a eternidade. Agora seus olhos humanos coincidiam no mesmo juízo. Deus e Homem lançam, em profecia, a pedra fundamental da futura Igreja. Nenhum dos neodiscípulos deve ter entendido o alcance daquelas palavras, que mais tarde se tornariam claras e explícitas, nestas outras: “tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16, 18).
Dois olhares marcaram a vida de Pedro: este inicial e o último, após o qual ele “flevit amare — chorou amargamente” (Lc 22, 62).
V – Conclusão
E impossível não constatar, no Evangelho de hoje, a fundamental importância do apostolado pessoal, direto, e sob o poder de uma hierarquia. Vê-se, já nos primórdios da constituição de sua Igreja, o Divino Redentor preocupado em estabelecer a Pedra-Base de seu edifício. Por esta razão, em todo e qualquer sucessor de Cefas, nós devemos honrar esta Pedra, obedecendo com toda submissão às determinações da Igreja.
Roguemos a Maria, Mãe da Igreja, que jamais nos separemos nem um só milímetro da Cátedra infalível de Pedro, em nossa fé, espírito e disciplina. Que a Virgem Santíssima infunda em nossas almas a felicidade de crer no que a Hierarquia ensina, praticar o que ela ordena, amar o que ela ama, e percorrer as suas vias para chegar à glória eterna. ²
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1) CONCÍLIO VATICANO II. Apostolicam actuositatem, n.1.
2) SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q.3, a.2, ad 2.
3) PIO XII. Discurso aos homens da Ação Católica, de 12/10/1952.
4) FERNÁNDEZ TRUYOLS, SJ, Andrés. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. 2.ed. Madrid: BAC, 1954, p.141.
5) MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los Cuatro Evangelios. Evangelio de San Juan. Madrid: BAC, 1954, v.III, p.125.
6) Idem, ibidem.
7) SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía XVIII, n.1-3. In: Homilías sobre el Evangelio de San Juan (1-29). 2.ed. Madrid: Ciudad Nueva, 2001, v.I, p.227; 230-232.
8) Idem, n.2, p.230.
9) TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, v.V, p.985-986.
10) Cf. FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Infancia y Bautismo. Madrid: Rialp, 2000, v.I, p.327.
11) Cf. MALDONADO, op. cit., p.125.
12) TUYA, op. cit., p.987.
13) Cf. MALDONADO, op. cit., p.126.
14) ALCUÍNO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea. In Ioannem, c.I, v.37-40.
15) SÃO CIRILO DE ALEXANDRIA. In Ioannis Evangelium. L.II, c.1: MG 73, 218.
16) SANTO AGOSTINHO. In Ioannis Evangelium. Tractatus VII, n.9. In: Obras. Madrid: BAC, 1955, v.XIII, p.229.
17) Maldonado afirma que “pode-se considerar como algo certo que João, o futuro Evangelista, fez o mesmo que André: foi ao encontro de seu irmão, Tiago, e o levou ao Senhor. A união dos dois pares de irmãos, amigos e companheiros de pesca, faz suspeitar que os quatro viajaram na mesma caravana para serem batizados pelo Precursor e pensavam retornar juntos à Galileia, quando sua boa sorte os conduziu à rústica tenda de campanha habitada por Cristo, decidindo ser seus discípulos, e com Ele regressaram à sua terra” (MALDONADO, op. cit., p.131, nota 1).
18) Cf. SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía XIX, n.1. In: Homilías sobre el Evangelio de San Juan (1-29), op. cit., p.241.
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